Disponibilização: terça-feira, 12 de maio de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XIII - Edição 3041
783
semelhante; que o médico que a assiste reiterou a necessidade dos materiais e instrumentos por si indicados; que a cirurgia foi
agendada para o dia 19/02/2020. Requer, assim, o deferimento da tutela de urgência e, ao final, a procedência da ação para o
fim de compelir a requerida a autorizar e arcar com a totalidade dos tratamentos denominados “microcirurgia para tumores
intracranianos”, “tratamento cirúrgico da fístula liquórica”, “reconstrução craniana ou craniofacial”, “reconstrução com retalho de
gálea”, “ressecção do osso temporal”, “reconstrução com rotação do m. Temporal” e todos os materiais/instrumentos necessários
que inicialmente foram negados, bem como abster-se de negar qualquer tipo de procedimento médico em caso de urgência/
emergência. A petição inicial veio instruída com documentos. A tutela provisória de urgência foi concedida (fls. 77/80). Citada, a
requerida contestou a ação alegando, basicamente, que solicitou a realização de perícia médica a fim de apurar a real
necessidade da realização dos procedimentos requeridos, bem como dos materiais solicitados relacionados à cirurgia; que o Dr.
Jean Luc Fobe apresentou parecer que no sentido de que outro procedimento seria indicado para o caso da requerente; que não
há cobertura para utilização de neuronavegação, pois tal procedimento não está previsto no rol da ANS. Requer a improcedência
da ação. Juntou os documentos de fls. 107/466. Houve réplica. É O RELATÓRIO. DECIDO. O feito comporta julgamento
antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, não havendo necessidade de se produzir outras
provas. Trata-se de ação de obrigação de fazer em que a autora pretende compelir a requerida a custear e fornecer o tratamento
médico a ela indicado pelo médico responsável, consistente “microcirurgia para tumores intracranianos”, “tratamento cirúrgico
da fístula liquórica”, “reconstrução craniana ou craniofacial”, “reconstrução com retalho de gálea”, “ressecção do osso temporal”,
“reconstrução com rotação do m. Temporal” e todos os materiais/instrumentos necessários. Inicialmente, de se ponderar que o
vínculo entre autora ré vem demonstrado pelos documentos de fls. 28/37, bem como que os procedimentos necessários à sua
saúde foram todos indicados por profissional da medicina devidamente habilitado, conforme se depreende dos documentos
colacionados em fls. 45/50 dos autos. A Requerida, ao apreciar a solicitação administrativa da Requerente, apresentou
justificativa de negativa de cobertura (fls. 51/58), fundamentada na não indicação dos procedimentos e materiais requeridos à
patologia da autora. Outrossim, na contestação ainda justificou a negativa no fato de o procedimento não estar previsto no rol da
ANS. Analisando os termos em que apresentada a negativa, resta evidente a abusividade, por colocar o consumidor em situação
de excessiva desvantagem, ferindo os princípios do próprio contrato, que são a preservação e o restabelecimento da saúde do
segurado. O limite de exclusão imposto pela requerida deve ser analisado com reservas, de forma concreta, não se perdendo de
vista que a natureza e os fins da relação ajustada entre as partes não podem ameaçar o objeto da avença, que no caso é a
própria vida. Aliás, a requerida não pode se eximir da obrigação legalmente contratada para frustrar a principal finalidade que
originou o vínculo contratual, no caso a busca da cura. Para tanto, confira-se a previsão do artigo 51, IV e § 1º, inciso II, todos
do Código de Defesa do Consumidor. Ao lecionar sobre o princípio da proteção jurídica do consumidor e da sanção às cláusulas
abusivas, JORGE ALBERTO QUADROS DE CARVALHO SILVA, na ora Cláusulas Abusivas no Código de Defesa do Consumidor,
Ed. Saraiva, 2003, assim esclarece: “As sanções às cláusulas abusivas são necessárias e fundamentais para a reequalização
da posição jurídica das partes contratantes, pois não adiantaria nada reconhecer e declarar a situação de opressão sem que
sua causa fosse efetivamente extirpada do ordenamento jurídico. Mera constatação por si só não resultaria em nada senão
fosse dado ao intérprete da lei instrumentos necessários para eliminar o mal causador do desequilíbrio no sinalagma”. O contrato
de seguro-saúde, por ser atípico, consubstancia função supletiva do dever de atuação do Estado, impondo-se a proteção da
saúde do segurado e de seus familiares contra qualquer enfermidade e em especiais circunstâncias, como aquelas que aqui se
verificam, a “microcirurgia para tumores intracranianos”, o “tratamento cirúrgico da fístula liquórica”, a “reconstrução craniana ou
craniofacial”, a “reconstrução com retalho de gálea”, a “ressecção do osso temporal”, a “reconstrução com rotação do m.
Temporal” e todos os materiais/instrumentos necessários, que são os métodos mais eficazes à manutenção da saúde e bemestar do paciente, conforme esclarecido pelo médico que trata a autora (fls. 59/62). De se ponderar, aliás, que segundo
entendimento do médico que assiste a autora, a negativa apresentada pelo auditor da requerida beira a irresponsabilidade (fl.
60). Nessa diretriz, HELOÍSA CARPENA VIEIRA DE MELLO [in “Seguro Saúde e Abuso de Direito, AJURIS, Edição Especial,
março/1998, vol. 2”] ao discorrer sobre o seguro saúde e sobre o abuso de direito, assevera que: “ao contratar assistência
médica para si e para sua família, o consumidor procura um verdadeiro “parceiro”, aquele com quem estabelecerá relações por
um longo período. A expectativa primária do consumidor, quando adere ao contrato de prestação de serviços de assistência
médica, é a de que lhe sejam prestados serviços de assistência médica, se e quando deles necessitar. Confia o segurado,
legitimamente, na manutenção do vínculo. Deseja sentir-se seguro, é precisamente esta expectativa que o fornecedor diz
atender e que a lei impõe seja atendida. Ao negar cobertura a determinados tipos de doenças, a empresa atenta contra os
direitos - absolutos - à saúde e à vida dos segurados, e tal disposição será tida por ilícita exatamente porque descumprida está
a função do contrato”. E conclui a ilustre autora que “todas as cláusulas inseridas em contratos de seguro-saúde que denotem o
exercício antifuncional do direito de contratar são ilícitas, por configurarem abuso deste direito”. Argumenta, ainda, a Requerida
o tratamento não foi contemplado no rol em vigor da ANS, estando excluído da cobertura contratual. Contudo, o médico que
assiste a autora considerou que diante do quadro apresentado, o tratamento em questão é o mais indicado, considerando-se a
idade do paciente e a gravidade e agressividade da doença (fls. 59/62). A Súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo
assim dispõe: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento
da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”. Destarte, a recusa da ré mostrou-se
totalmente injustificada. É nítida a situação de desvantagem em que se coloca o consumidor ao se manter a validade da cláusula
excludente. A ação, portanto, enseja total procedência. Posto isso, e tendo em vista o mais que dos autos consta, JULGO
PROCEDENTE a presente ação ajuizada por FLÁVIA MARIA DE TOLEDO PEDROSO em face de UNIMED DO ESTADO DE
SÃO FEDERAÇÃO ESTADUAL DAS COOPERATIVAS MÉDICAS INIMED FESP, o que faço para, confirmando a tutela de
urgência anteriormente concedida condenar a requerida a custear a cobertura total do tratamento médico indicado para a autora,
nos termos das prescrições médicas de fls. 46/47 e 60/62 dos autos. Em consequência, dou por resolvido o mérito nos termos
do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência, arcará a Requerida com o pagamento das
custas judiciais, despesas processuais e honorários advocatícios do patrono da Autora, estes fixados em 10% sobre o valor
atualizado da causa. Interposta a apelação, tendo em vista a nova sistemática estabelecida pelo NCPC, que extinguiu o juízo de
admissibilidade a ser exercido pelo Juízo “a quo” (art. 1.010 do NCPC), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária para
que ofereça resposta no prazo de 15 (quinze) dias. Havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para
oferecer contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal. Ainda, na hipótese de eventual recurso, deverá a parte
recorrente recolher o preparo no valor R$401,40, conforme planilha que segue anexa, bem como os valores correspondentes ao
porte de remessa e retorno de autos físicos e/ou mídia(s)/objeto(s), sendo R$43,00 por volume (na guia FEDT. Código 110-4),
conforme Provimento 833/2004, atualizado pelo Provimento CSM nº 2516/2019. Após, remetam-se os autos à superior instância.
Por fim, cumpra a Serventia o disposto no artigo 1093, § 6º, das NSCGJ e, oportunamente, nada mais sendo requerido,
arquivem-se os autos no SAJ. P.I. - ADV: ALEX SANDRO GOMES ALTIMARI (OAB 177936/SP), WILZA APARECIDA LOPES
SILVA (OAB 173351/SP), JOSÉ LUÍS MAZUQUELLI JUNIOR (OAB 389651/SP)
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º