TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.030 - Disponibilização: terça-feira, 1º de fevereiro de 2022
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“ 23 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo
à dignidade da pessoa humana.
24 - Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.
25 - Art. 422: o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual
e pós -contratual.
26 - Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e
corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.
27 - Art. 422: na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.”
O princípio da confiança caracteriza-se como um dos deveres anexos da boa-fé objetiva. A confiança instalada nas tratativas
e execuções de um negócio jurídico expõe o sujeito a uma correspondência de considerações éticas e morais. Por outro lado,
defraudada a pessoa da confiança depositada, desenvolve-se uma instabilidade social, que deve ser, desde logo, refutada do
convívio social.
No caso em tela vislumbra-se a quebra de confiança, uma vez que a agravada, após cumprir com suas obrigações no pactuado,
viu-se desguarnecida no momento em que requereu sua contraprestação.
Denota-se a ocorrência da máxima venire contra factum proprium non potest, que proíbe o comportamento contraditório, ou seja,
veda o exercício de um direito próprio contrariando comportamento anterior.
O “venire contra factum proprium” é uma vedação decorrente do princípio da confiança. Trata-se de um tipo de ato abusivo de
direito. Nesta hipótese, o contratante assume um determinado comportamento o qual é posteriormente contrariado por outro
comportamento seu. A respeito asserto de Nelson Nery Junior:
Venire contra factum proprium. A locução ‘venire contra factum proprium’ traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente (Menezes Cordeiro, Boa-fé, p. 743). ‘Venire contra factum
proprium’ postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro - factum proprium - é,
porém, contrariado pelo segundo. Esta fórmula provoca, à partida, reações afectivas que devem ser evitadas (Menezes Cordeiro,
Boa-fé, p. 745). A proibição de venire contra factum proprium traduz a vocação ética, psicológica e social da regra ‘pacta sunt
servanda’ para a juspositividade (Menezes Cordeiro, Boa-fé, p. 751).
O comportamento anterior gera expectativa na outra parte, a qual é frustrada pela ação do contratante que antagoniza seu anterior posicionamento. A proibição relaciona-se à confiança recíproca, o que nos é lembrado por Judith Martins Costa, in verbis:
A proibição de toda e qualquer conduta contraditória seria, mais do que uma abstração, um castigo. Estar-se-ia a enrijecer todas
as potencialidades da surpresa, do inesperado e do imprevisto na vida humana. Portanto, o princípio que o proíbe como contrário
ao interesse digno da tutela jurídica é o comportamento contraditório que mine a relação de confiança recíproca minimamente
necessária para o bom desenvolvimento do tráfego negocial”
Ainda no mesmo diapasão, interessante excerto extrai-se do julgamento do Agravo nº 70013531694, da Décima Nona Câmara
Cível do TJRS, cujo relator é o Desembargador Mário José Gomes Pereira:
“Cuida-se, aqui, de aplicar-se a Teoria dos Atos Próprios, obviando que o processo colida com o que, na prática, e de fato, plasmou-se num certo sentido por força do comportamento regular da parte autora. Inadmissível a postura (aqui, com o aforamento
em questão) incongruente com a antes adotada, rejeitada a atitude oscilante, surpreendente, a atentar contra a realidade de fato
já consolidada.
Neste rumo, a lição de Aguiar Júnior, ao ministrar que ‘a teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium
protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento
futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com a surpresa e
prejuízo à contraparte.’ (Aguiar Júnior, Ruy Rosado de. A Extinção do Contratos por Incumprimento do Devedor, 1ª ed. Rio de
Janeiro, Aide, 1991)
Segundo Renan Lotufo, ‘a locução venire contra factum proprium, significa o exercício de uma posição jurídica em contradição
com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente, ou seja, dois comportamento da mesma pessoa, que são lícitos
entre si, e diferidos no tempo. O primeiro comportamento, o factum proprium, é contrariado pelo segundo.
O princípio do venire contra factum proprium tem fundamento na confiança despertada na outra parte, que crê na veracidade da
primeira manifestação, confiança que não pode ser desfeita por um comportamento contraditório. Pode-se dizer que a inadmissibilidade do venire contra factum proprium evidencia a boa-fé presente na confiança, que há de ser preservada. Daí o dizer de
Franz Wieacker (El principio general de la buena fé, p. 62): “...el principio del venire es una aplicación del principio de la ‘confianza
en el tráfico jurídico’ y no una específica prohibición de la mala fe y de la mentira’. (Código Civil Comentado, vol. I, Parte Geral,
ed. Saraiva, 2003, pág. 501/502).
Para Anderson Schreiber ‘O nemo potest venire contra factum proprium representa, desta forma, instrumento de proteção a razoáveis expectativas alheias e de consideração dos interesses de todos aqueles sobre quem um comportamento de fato possa vir
repercutir. Neste sentido, o princípio de proibição ao comportamento contraditório insere-se no núcleo de uma reformulação da
autonomia privada e vincula-se diretamente ao princípio constitucional da solidariedade social, que consiste em seu fundamento
normativo mais elevado.’ (A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança venire contra factum proprium, Rio de
Janeiro: Renovar, 2005, pág. 269/270)
‘Nestes termos, como já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, para se ter um comportamento por relevante, há de ser
lembrada a importância da doutrina sobre os atos próprios. Assim, “o direito moderno não compactua com o venire contra factum
proprium, que se traduz como o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente
(MENEZES CORDEIRO, Da Boa-fé no Direito Civil, 11/742). Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando
o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar
eficácia à conduta posterior.’ (Resp n. 95539-SP), onde restou consignado pelo então relator, Min. RUY ROSADO que, o sistema
jurídico nacional, “deve ser interpretado e aplicado da tal forma que através dele possa ser preservado o princípio da boa-fé, para