tradicionalmente ocupadas pelos povos Guarani e Kaiowá, nas bacias denominadas Iguatemipeguá (Portaria nº
790/PRES, de 10.07.2008) e Ñandevapeguá (Portaria nº 792, de 10.07.2008), localizadas nos municípios de
Amambaí, Paranhos e Tacuru, no Estado do Mato Grosso do Sul.
A Comunidade Indígena Pyelito Kue, integrante da etnia Guarani Kaiowá, se estabeleceu em período pretérito na
Bacia Iguatemipeguá que, segundo estudos preliminares e não conclusivos, está inserida na área da Fazenda
Cambará. Esse fato, por si só, não rende aos índios o direito de invadir as terras. Entretanto, as ações que tratam
de conflitos de índios com fazendeiros merecem atenção especial e equilíbrio do juiz para restabelecer a ordem e
contribuir para a paz social.
Aliás, cabe ressaltar a maneira com a qual os eminentes Juízes Federais que atuaram na ação possessória em
referência no Juízo da 1ª Vara Federal de Naviraí/MS conduziram o feito. Todos demonstraram preocupação
com a questão e foram muito diligentes na prestação jurisdicional, o que é digno de admiração e respeito por
parte desta Relatora.
Não obstante, fato é que há um procedimento administrativo de delimitação e demarcação de terras em curso na
região onde está situada a Fazenda Cambará. A inércia do Poder Público e a morosidade do procedimento
administrativo contribuem para provocar tensões e conflitos entre índios e fazendeiros, restando ao Poder
Judiciário responder ao embate apresentado.
Assim, tenho que, salvo melhor juízo, a demanda não está próxima de ter um desfecho, não importando a favor de
quem venha a ser decidida. O caminho reservado às partes pode ser longo e árduo, eis que o caso envolve, de
forma ampla, a solução de um dos maiores conflitos sociais de nossa época, qual seja, a demarcação das terras
indígenas brasileiras, além de, tecnicamente, envolver intrincado exame de matéria constitucional.
Retomando a particularidade do caso, certo é que os agravados não poderão ser desapossados das terras que
ocupam apenas porque tais terras são objeto de processo administrativo de demarcação, pois apenas a conclusão
de todas as fases do procedimento é que poderá ensejar a alteração da respectiva titularidade.
Todavia, estando em risco valores que suplantam a necessidade de término do processo administrativo de
demarcação - a vida e a ordem -, valho-me do poder geral de cautela conferido pelos artigos 798 e 799, ambos
do Código de Processo Civil, os quais seguem transcritos:
"Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro,
poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que
uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação."
"Art. 799. No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de
determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução."
O Professor Paulo Afonso Garrido de Paula, na obra Código de Processo Civil Interpretado, 3ª edição, 2.008,
coordenador Antonio Carlos Marcato, Editora Atlas, páginas 2.482/2.484, explica de maneira singular as
particularidades do poder geral de cautela conferido ao juiz, senão vejamos:
"1. Poder geral de cautela do juiz. O dispositivo em apreço fundamenta o poder geral de cautela do juiz, hoje em
consonância com a tutela preventiva prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição da República, consistente na
possibilidade de proteção jurisdicional a qualquer direito ameaçado de lesão."
"1. Alcance do poder geral de cautela. Trata-se de norma exemplificativa do alcance do poder geral de cautela
do juiz, que não sofre qualquer limitação, de vez que eventual restrição genérica importaria negação à efetivação
da tutela preventiva prevista na Constituição da República. (...)
Indica a norma em questão que direitos fundamentais podem ser juridicamente relativizados quando em conflito
com outros direitos básicos, desde que observada a garantia genérica do devido processo legal."
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça valoriza a aplicação do poder geral de cautela para resguardo de
interesses maiores, conforme se verifica do seguinte acórdão, a título de exemplo:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE.
MEDIDA CAUTELAR. RESGUARDO DO INTERESSE PÚBLICO. EFETIVIDADE PROCESSUAL.
ADEQUAÇÃO DO PROVIMENTO JURISDICIONAL ÀS PECULIARIDADES DA DEMANDA. ARTIGO 798 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CLÁUSULA GERAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. CONHECIMENTO
DE OFÍCIO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO, COM BASE NO PODER
GERAL DE CAUTELA. SITUAÇÃO EXCEPCIONALÍSSIMA. POSSIBILIDADE,
1. As medidas cautelares resguardam, sobretudo, o interesse público, sendo necessárias e inerentes à atividade
jurisdicional. O artigo 798 do CPC atribui amplo poder de cautela ao magistrado, constituindo verdadeira e
salutar cláusula geral, que clama a observância ao princípio da adequação judicial, propiciando a harmonização
do procedimento às particularidades da lide, para melhor tutela do direito material lesado ou ameaçado de lesão.
2. A efetividade do processo exige tutela jurisdicional adequada, por isso o poder geral de cautela pode ser
exercitado ex officio, pois visa o resguardo de interesses maiores, inerentes ao próprio escopo da função
jurisdicional, que se sobrepõem aos interesses das partes.
(...)
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 07/12/2012
607/2493