Disponibilização: terça-feira, 29 de junho de 2021
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano XIV - Edição 3308
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no valor por módulo, porquanto o valor cobrado dela foi diferente do que constou no contrato. A tutela requerida foi indeferida
por decisão de fls. 38, dela recorrendo a requerente por agravo de instrumento 2197591-72.2019.8.26.0000 (fls.43/49), ao qual
foi negado provimento pela C. 33ª Câmara de Direito Privado sob relatoria do Exmo. Des. Sá Moreira de Oliveira (fls.77/81). A
requerida contestou às fls. 52/62, alegando que o parcelamento diluído do curso não altera o valor de cada módulo, sobre o qual
recai o cálculo da multa rescisória. Se houve excesso na cobrança, foi na diferença e não no valor total do módulo. Invocou o
respeito ao “pacta sunt servanda”. A requerente teria sido vaga e imprecisa sobre as abusividades alegadas e os pedidos iniciais
devem ser julgados improcedentes. Designada audiência de conciliação entre as partes, restou inexitosa (fls. 105), pedindo a
requerente o julgamento antecipado da lide (fls. 110). Decisão de fls. 111/113 determinou às partes que esclarecessem pontos
específicos dos autos, manifestações que vieram pela requerente às fls. 117/118 e 131/133 e, pela requerida, às fls. 116 e
124/125, tornando os autos conclusos. É o relatório. Fundamento e Decido. O feito comporta julgamento antecipado, na forma
do artigo 355, inciso I, CPC, pois a questão controvertida é meramente de direito, tornando desnecessária a produção de outras
provas. A requerente, matriculada em curso de pós graduação, pretende rescindir o contrato por motivações pessoais,
discordando, porém, da multa rescisória cobrada. Para tanto, pediu a declaração de abusividade de algumas cláusulas
contratuais que levariam à cobrança contra a qual se insurgiu. Os pontos controvertidos, portanto, são a possibilidade de
rescisão contratual e os efeitos deste pedido rescisão. O consumidor não é obrigado a permanecer na relação contratual e o
próprio instrumento assinado entre as partes previu-o na cláusula décima quinta, que cuida somente da rescisão (fls.24). O
dinamismo das relações de consumo e dos hábitos e necessidades dos consumidores não condiz com qualquer norma que
imponha a rigidez, a imobilidade e o compromisso sem sujeição a alterações. O problema, agora, reside na multa contratual. A
aludida cláusula décima quinta assim dispôs (fls.23): CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA -RESCISÃO DO CONTRATO O presente
contrato poderá ser rescindido a qualquer tempo nas seguintes condições: I - Pelo CONTRATADO, no caso do não preenchimento
do número mínimo de alunos matriculados, conforme descrito na Cláusula Sexta do presente contrato; II- Pelo CONTRATANTE,
no caso do exercício de arrependimento, conforme o prazo estipulado no § 3º da Cláusula Terceira do presente contrato; III- Por
descumprimento pelo CONTRATANTE das “normas internas” instituídas pelo CONTRATADO e aplicáveis ao curso e ao local de
realização das atividades; IV - Pelo CONTRATADO, em qualquer tempo, desde que constatado o descumprimento pela
CONTRATANTE de qualquer disposição contratual e/ou legal; V- Pelo CONTRATANTE, em caso de desistência ou qualquer
outro caso de desligamento durante o curso. (...) § 5º Na rescisão contratual motivada pelo disposto nos incisos III, IV e V da
presente Cláusula, o CONTRATANTE deverá pagar o valor correspondente a 15% (quinze por cento) sobre o valor total dos
módulos não cursados e, ainda, a diferença de valores entre os módulos cursados e as parcelas efetivamente pagas, além dos
demais débitos porventura existentes, devidamente corrigidos, conforme disposto na Cláusula Décima Terceira do presente
contrato, a título de cláusula penal. A redação do Parágrafo Quinto da Cláusula Décima Quinta poderia ter sido mais clara para
o consumidor e evidentemente deixa margem à dúvida, o que, por si só, já é objeto de vedação pelo Código de Defesa do
Consumidor, a rigor, no §3º do artigo 54. Havendo dúvida, as cláusulas serão sempre interpretadas a favor do consumidor, como
se sabe (artigo 47, CDC). A Cláusula segunda, em seu § 1º (fls. 18), afirmou expressamente: O valor total do curso corresponde
à soma dos valores dos 36 (trinta e seis) módulos, sendo o valor de cada módulo R$ 5.205,66 (cinco mil, duzentos e cinco reais
e sessenta e seis centavos). Pois bem. As partes controverteram a respeito o número de módulos cursados pela requerente. A
requerente sustenta que foram quatro. A requerida, às fls. 55, afirmou: Tendo cursado quatro módulos que totalizam R$
20.822,64, é certo que a autora era devedora do saldo de R$ 2.974,64, correspondente à diferença entre as parcelas pagas e os
módulos efetivamente cursados (grifei). Inquerida em decisão de fls. 111/113, a requerida mudou sua versão e afirmou que a
requerente cursou cinco módulos (fls.116): No que refere-se ao questionamento de quantos módulos a autora efetivamente
cursou, é correto considerar que foram 05 (cinco). Isto porque, à época das tratativas consignadas nos e-mails de fl. 70-71,
eram, de fato, apenas 04 (quatro). Portanto, considerando que a requerente cursou 4 (quatro) módulos, então o total de módulos
não cursados totaliza 32, que, multiplicado pelo valor de cada módulo, resulta em R$ 166.581,33. Se a multa é de 15% (cláusula
décima quinta, §5º, fls. 23) sobre esta conta, resulta em corretos R$ 24.987,17, exatamente o valor apontado pela secretaria da
escola (fls. 72/73). Mas não só. O mesmo §5º, da cláusula décima quinta, na segunda parte, impõe a cláusula penal calculada
da seguinte forma: (...) ainda, a diferença de valores entre os módulos cursados e as parcelas efetivamente pagas, além dos
demais débitos porventura existentes, devidamente corrigidos, conforme disposto na Cláusula Décima Terceira do presente
contrato, a título de cláusula penal. A cláusula penal, prevista nos artigos 408 a 416 do Código Civil, pretende incentivar o
devedor ao cumprimento de uma obrigação específica, como uma cláusula, ou do contrato todo, podendo ainda servir como
compensação pelo cumprimento da obrigação com atraso. É contrato acessório ao principal. Nas palavras de Carlos Roberto
Gonçalves: A cláusula penal tem dupla função: a) atua como meio de coerção (intimidação), para compelir o devedor a cumprir
a obrigação e, assim, não ter de pagá-la; e ainda b) como prefixação das perdas e danos (ressarcimento) devidos em razão do
inadimplemento do contrato. Conclui-se, pois, que a previsão da segunda parte do §5º da cláusula décima quinta corresponde
ao tipo do item b, impondo ressarcimento à requerida pelo inadimplemento (rescisão antecipada) do contrato. Entretanto,
entendo que a imposição de uma cláusula penal (assim chamada pela requerida para a previsão que consta na segunda parte
do §5º da cláusula décima quinta) em razão do encerramento antecipado do contrato pela contratante (ora requerente)
corresponde a um ‘bis in idem’ com a primeira parte do §5º da cláusula décima quinta, que constitui lucros cessantes. Constituem
ambos, em verdade, uma compensação à requerida pela rescisão do contrato, prestando-se ao mesmo propósito, embora
calculados de modo distinto. A primeira parte do §5º foi corretamente calculada em R$ 24.987,17 e a segunda parte do §5º,
calculada em R$ 2.974,64, resultando na cobrança do total de R$ 27.961,81 (fls. 72/73). O cálculo não é ilegal, posto que
inferior ao valor total do serviço (R$ 187.404,00, fls. 18), mas abusivo ao impor vantagem incompatível com a boa fé, nos termos
do inciso IV do artigo 51 do CDC. De fato, muitos consumidores são levados ao cancelamento do contrato por não disporem do
valor da obrigação que, no caso dos autos, constitui quantia significativa. Muitas vezes sobrevém condição adversa, como perda
do emprego ou despesa inesperada na família, e o consumidor é compelido a realizar cortes de gastos em seu orçamento,
conforme alegação da própria requerente. Daí que, se o consumidor solicita a rescisão contratual justamente porque não
consegue mais de comprometer com o pagamento da obrigação, a imposição de uma cláusula penal, cumulada com lucros
cessantes, de expressivos R$ 27.961,81 representa abusividade considerável, cuja revisão pode ser feita de ofício pelo
magistrado. No caso, contudo, há pedido expresso pela revisão para baixar a multa para 2%, com fundamento no §1º do artigo
52 do CDC. Isso posto, o percentual fixado no §5º da cláusula décima quinta e a cumulação das multas são cláusulas abusivas
que devem ser modificadas pelo Poder Judiciário, sob pena de imposição de condição desvantagem exagerada ao consumidor.
Desta forma, entendo cabível a alteração do percentual de quinze por cento para dois por cento e afasto a segunda parte do §5º
da cláusula décima quinta, excluindo a previsão de pagamento da (...)diferença de valores entre os módulos cursados e as
parcelas efetivamente pagas, além dos demais débitos porventura existentes, devidamente corrigidos, conforme disposto na
Cláusula Décima Terceira do presente contrato, a título de cláusula penal. Por fim, declaro a rescisão contratual desde em que
o preposto da requerida acusa o recebimento do comunicado da requerente de que não daria continuidade aos estudos (fls. 27),
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º