TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.204 - Disponibilização: segunda-feira, 24 de outubro de 2022
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Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu
fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[...]
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
In casu, restou comprovado que a denúncia da ré motivou a empresa reconsiderar a indicação do autor para integrar o processo
seletivo para o cargo de engenheiro titular, haja vista o risco de que, se confirmada a sua responsabilidade pelo ilícito, o mesmo
perdesse a sua inscrição no conselho de classe, o que impediria o exercício das suas atividades.
Essa é a conclusão alcançada a partir do testemunho do sr. Fernando Chaves Nere, então gerente de contratos da empresa em
que o demandante trabalha. A testemunha narrou que indicara o sr. Jackson para a posição de trainee e que, após ter sido informado por ele sobre as denúncias, notificou a gestão da companhia, que, por sua vez, determinou que se aguardasse a conclusão
dos procedimentos para que a promoção fosse reconsiderada.
Há, portanto, configuração de dano e nexo de causalidade entre ele e a conduta da ré. Entretanto, não foram atendidos os demais requisitos da responsabilidade civil. Explica-se.
Em que pese inegável que a conduta da demandada tenha resultado na reconsideração momentânea do demandante para ocupar o cargo ao qual foi indicado, a mesma agiu em pleno exercício do seu direito de petição (art. 5º, XXXIV, da CFRB) ao se ver
lesada pela fraude perpetuada por terceiros.
De fato, constavam nos certificados emitidos pelos alegados fraudadores (ID nº 239055180, fls. 04/08) as assinaturas e inscrições nos órgãos de classe do sr. Rômulo e do requerente, não havendo como se requerer da acionada que supusesse que o
mesmo fora vítima de falsificação.
Sobre a ré não ter buscado as filmagens feitas no local onde o curso foi ministrado, entende-se que isso não denota negligência
de sua parte, pois, ainda que constatado que o sr. Jackson jamais esteve na sua sede, a presença dos seus dados e firma nos
referidos documentos já levantaria dúvidas sobre sua participação na fraude, o que certamente seria investigado.
Para mais, o fato de o procedimento administrativo ter sido arquivado por falta de provas não demonstra que a denunciante incorreu em desídia. Em verdade, atuou com base nas suspeitas geradas pela confirmação, pela empresa neles indicada, de que
jamais autorizara a emissão dos certificados.
Assim, tendo a acionada se deparado com indícios da prática de ilícito, não se poderia lhe exigir outra conduta que não a de dar
conhecimento dos mesmos às autoridades competentes para que promovessem os procedimentos investigatórios cabíveis, não
havendo que se falar em atuação culposa ou extrapolação dos seus direitos.
É o que dispõe o art. 188, caput e I, do Código Civil, in verbis: “não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa
ou no exercício regular de um direito reconhecido”.
Esse é o entendimento coadunado pela jurisprudência, como ilustrado pelo julgado abaixo:
RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEMANDANTE QUE
ERA PROFESSOR DO FILHO DO DEMANDADO. ACUSAÇÃO DE AGRESSIVIDADE E NEGLIGÊNCIA COM O ALUNO. ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO E “DENÚNCIA” NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA AMBOS JULGADOS IMPROCEDENTES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DO DEMANDANTE. AFIRMAÇÃO DE
OS ATOS TEREM OCASIONADO ABALO ANÍMICO INDENIZÁVEL. TESE INSUBSISTENTE. ABERTURA DE PROCESSO
DISCIPLINAR QUE, POR SI SÓ, NÃO TEM O CONDÃO DE ACARRETAR NA RESPONSABILIDADE CIVIL DO DENUNCIANTE. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. INTERPRETAÇÃO CONTRÁRIA LEVARIA À CONCLUSÃO DE QUE QUALQUER
PROCESSO ADMINISTRATIVO JULGADO IMPROCEDENTE GERARIA A PRESUNÇÃO DO DIREITO À INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL. ABALO ANÍMICO NÃO CARACTERIZADO NA HIPÓTESE. SITUAÇÕES VEXATÓRIAS E DE HUMILHAÇÃO
PERANTE COLEGAS DE TRABALHO E SOCIEDADE NÃO DEMONSTRADAS. ÔNUS PROBATÓRIO DA PARTE RECORRENTE NÃO SATISFEITO ( CPC, ART. 373, I). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA PELOS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (LEI N. 9.099/95, ART. 46). (TJ-SC - RECURSO CÍVEL: 50005274320198240037, Relator: Reny
Baptista Neto, Data de Julgamento: 07/07/2022, Primeira Turma Recursal - Florianópolis (Capital) (grifos próprios)
Por fim, no que se refere ao pedido contraposto, formulado pela ré em sede de reconvenção, pela condenação do autor ao pagamento de multa por litigância de má-fé, entendo que não merece prosperar, posto não ter verificado qualquer indício de que a
sua atuação se deu de forma temerária, estando o mesmo plenamente amparado por seu direito de petição.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO O FEITO EXTINTO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO COM IMPROCEDÊNCIA DAS PRETENSÕES
AUTORAIS, com fulcro no art. 188, I, do Código Civil. Custas e honorários pelo demandante, os quais arbitro em 10% (dez por
cento) sobre o valor da causa, com fulcro nos requisitos do art. 85, § 2º, I a IV, do Código de Processo Civil, devendo-se observar
a concessão do benefício da gratuidade da justiça em seu favor.
Decorrido o trânsito em julgado, certifique-se e, inexistindo pendências, arquivem-se os autos com baixa, observadas as formalidades legais.
P.I.C.
SALVADOR - REGIÃO METROPOLITANA/BA, 20 de outubro de 2022.
ÉRICO RODRIGUES VIEIRA
Juiz de Direito
PODER JUDICIÁRIO