Disponibilização: sexta-feira, 24 de junho de 2016
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judiciário - Interior
processo; e evitar que ele prejudique a colheita de prova. Por
garantia da aplicação da lei penal compreende-se ser o caso da
existência de real e concreto risco de fuga do processado – diga-se
real e concreto porque não bastam meras conjecturas e nem a
inversão do ônus probatório com a aplicação da fórmula de que
“não há garantia de que não fuja”, embora: “a simples fuga do
acusado...já justifica o decreto de prisão preventiva” (STF/RT
497/403). A garantia da ordem pública é normalmente considerada
como razoável probabilidade de reiteração de prática criminosa
configurando, para alguns doutrinadores, hipótese inconstitucional,
pois baseada em simples presunção (geralmente baseada nos
maus antecedentes ou na reincidência), enquanto para outros é
perfeitamente normal desde que se trate de crime de excepcional
gravidade e com real risco para a sociedade e, nesse sentido, a
decretação serviria como instrumento para acautelar o meio social,
garantindo a credibilidade da justiça, em crimes que provoquem
grande clamor popular. Há jurisprudência com esse entendimento:
“...quando o crime praticado se reveste de grande crueldade e
violência, causando indignação na opinião pública, fica demonstrada
a necessidade da cautela” (STJ/RT 656/374). O clamor público
está compreendido no alcance da expressão ‘garantia da ordem
pública’, de modo a autorizar a decretação da prisão preventiva
(STF/RTJ 172/159), mas a grande repercussão na imprensa e o
clamor público “por si só não justificam a prisão preventiva” (STF/
RT 787/525 e STJ/RT 750/567). Em síntese, o clamor público
constitui um fundamento para a decretação da preventiva, desde
que venha acompanhado de outras razões, caso contrário,
considerado isoladamente, será tido por um fundamento apócrifo,
que deve ser erradicado porque vulnera o princípio da legalidade
processual da repressão (nulla coactio sine lege) e porque, através
dele, a prisão preventiva é imposta como verdadeira pena
antecipada (cumprindo fins de prevenção geral ou especial,
exclusivos da pena), o que resulta inconstitucional à luz dos direitos
fundamentais da presunção de inocência, proporcionalidade e
devido processo legal. Há também precedente do Pretório Excelso
no sentido da inadmissibilidade da repercussão e do clamor social
de crime grave como fundamento ensejador, pois nessa
eventualidade não se vislumbraria o periculum libertatis, vez que a
prisão não estaria sendo decretada em virtude de necessidade do
processo (caráter instrumental), mas simplesmente em face da
gravidade do delito: “A repercussão do crime ou clamor social não
são justificativas legais para a prisão preventiva” (STF/RT 549/417).
José Carlos Fragoso, para quem não é justificável a decretação da
prisão preventiva de acusados sob a alegação de que a medida
visa assegurar a credibilidade da justiça, traz à baila outras duas
razões: primeiramente, a prisão de um cidadão que responde a um
processo penal não pode ser instrumentalizada para servir de
exemplo aos demais destinatários da norma, em segundo lugar
nem o clamor público nem o pretenso serviço de dar maior
credibilidade ao aparato judiciário figuram entre os pressupostos
para a prisão preventiva. Assim, parece-me que se, e somente se,
o clamor público vier acompanhado de outras justificativas é que
será tido como motivo para a prisão preventiva do agente, pois,
não se pode olvidar que, nos dias atuais, o aumento da criminalidade
e o medo da sociedade diante disso leva a um crescente clamor,
não raras vezes incentivado pela mídia. Crueldade e violência na
prática criminosa “podem justificar a prisão preventiva” (STJ, HC
77, DJU 27.11.89, p. 17575), se, na prática dos delitos, revelou o
acusado torpeza, perversão, malvadez, cupidez ou insensibilidade
moral ex vi dos arts. 77, II, do CP, e 313, do CPP (TJSP/RT
518/321), embora, a gravidade do crime “por si só, sem outros
elementos, não fundamenta a prisão preventiva (STF/RT 770/511).
de réu primário, sem antecedentes criminais, com profissão
definida e residente no foro do delito, não há motivos que a
autorizem” (TACrimSP/RT 528/315), só os maus antecedentes não
justificam a prisão preventiva (RT 496/286), embora, primariedade
e bons antecedentes “não afastam a possibilidade da decretação
da prisão preventiva” se outros motivos houver (STF/RTJ
169/1030). Por sua vez, a noção de garantia da ordem econômica
advém da Lei Antitruste (Lei n° 8.884/94), que não vem ao caso.
São duas as condições de admissibilidade da prisão preventiva:
ser doloso o crime e punido com reclusão. Excepcionalmente
poderá ser decretada em crimes punidos com detenção, desde
que o sujeito seja vadio ou haja dúvida sobre a sua identidade;
Manaus, Ano IX - Edição 1949
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seja reincidente em crime doloso; ou se o crime envolver violência
doméstica ou familiar contra a mulher para garantir a execução das
medidas protetivas de urgência previstas na Lei n° 11.340/06. A
prisão preventiva pode ser decretada ou mantida em qualquer fase
do processo - inclusive na sentença - ou da investigação. Se
desaparecerem os motivos (fundamento) que a ensejaram
simplesmente revoga-se sem qualquer restrição ou imposição de
condições ao indivíduo, pois não se trata de uma concessão de
liberdade provisória (apenas ocorrente e de caráter substitutivo à
prisão em flagrante). Destarte, para Nucci, a garantia da ordem
pública “é a hipótese de interpretação mais ampla e insegura na
avaliação da necessidade da prisão preventiva” e isso ocorre,
como faz alusão Aury Lopes Júnior, “em virtude de ser um conceito
vago, indeterminado”, que “presta-se a qualquer senhor, diante de
uma maleabilidade apavorante”. Portanto, penso ser de todo
recomendável, considerando todos julgados e argumentações
expendidas, encerrar entendimento sobre esse fundamento,
concluindo que argumento desse jaez só será motivo ensejador,
servindo como base para a decretação ou manutenção da prisão
preventiva, se conjuntamente: 1) o réu não for primário ou tiver
antecedentes criminais ou não tiver profissão definida ou nem
residência no foro do delito; e 2a) o crime tiver sido praticado com
violência (embora esta razão possa ser considerada isoladamente
se tal violência tenha se consubstanciado na torpeza, perversão,
malvadez, cupidez ou insensibilidade moral revelada pelo
increpado); ou 2b) a prática delitiva tiver sido praticada com
utilização de arma de fogo, sem que o agente seja legalmente
autorizado a porta-la, pois me parece ser imperativo lógico que
nenhum cidadão de bem transita armado sem a intenção de coagir
o semelhante ou de derramar sangue num caso de reação da
infortunada vítima; ou 2c) ocorrer no caso repercussão ou clamor
social; conforme uma das fórmulas a seguir: garantia da ordem
pública = Alguma das condições pessoais desfavoráveis + emprego
de arma de fogo, repercussão ou clamor social / garantia da ordem
pública = torpeza, perversão, malvadez, cupidez ou insensibilidade
moral. Além disso, tenho como motivo ensejador, sob o manto da
conveniência da instrução criminal, o fato de o sujeito atrapalhar o
regular andamento do processo e, para garantir a aplicação da lei
penal, o concreto risco de fuga do processado, pois a simples fuga,
ainda que para fugir do flagrante, já justificaria o decreto de prisão
preventiva. Em todos esses casos, evidentemente, deve estar
presente o pressuposto da justa causa e as condições de
admissibilidade de ser o crime doloso, punível com reclusão,
embora naqueles punidos com detenção seja possível se,
alternativamente: 1) o sujeito for vadio; ou 2) houver dúvida sobre a
sua identidade; 3) o agente for reincidente em crime doloso; ou 4)
o crime envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher
para garantir a execução das medidas protetivas de urgência
previstas na Lei n°11.340/06. Dito isso, só me resta cotejar o fato
com a norma e sua interpretação jurisprudencial, o que passo a
fazer. Como já falado, a prisão preventiva é uma prisão processual
de natureza cautelar, cabível à espécie quando demonstrado o
fumus comissi delicti e o periculum libertatis. O atendimento ao
pressuposto do fumus comissi delicti exige o exame da
materialidade e indícios suficientes de autoria. Destaca-se que
nesta fase processual não se exigem provas plenas, apenas um
juízo meramente cautelar. A materialidade delitiva (prova material
do crime) encontra-se demonstrada pelos documentos constantes
dos autos. O exame perfunctório das provas colhidas na fase
inquisitorial, bem como da narrativa do cenário fático-criminoso
constante dos autos apontam indícios razoáveis de autoria/
participação dos indiciados JOSIMAR DA SILVA MAIA e
ERISNEUTO DA SILVA SALOMÃO. Conforme consta do Inquérito,
as condutas dos indiciados, primu ictu oculi, culminaram em atentar
contra as vidas das vítimas. Preenchido o fumus comissi delicti. O
segundo pressuposto cautelar exige a configuração de quaisquer
dos fundamentos constantes do art. 312 do Digesto Processual
Penal. Dos fatos noticiados nos autos, extraem-se condutas que
ferem frontalmente o ordenamento jurídico e colocam em risco a
paz social, a qual se vê ameaçada por condutas há tempos
repugnadas pelo seio social. Ação criminosa, semelhante a
apurada nos autos, indica o grau de intolerância social do agente,
o qual de forma agressiva e violenta subvertem os valores
amplamente consagrados de uma comunidade, assim como abala
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º